Quarta-feira, 8/9/93
Hoje já é amanhã
BIA BOTANA
Idéia da sempre vanguardista Rita Lee, "hoje já é amanhã" se fez título perfeito a essa curta meditação sobre a instauração da nova ordem na desordem mundial perto do século XXI. No não tão distante século XIX, a industrialização deu origem à tecnologia: "estudo dos instrumentos, processos e métodos empregados nos diversos ramos industriais". O investimento empresarial para invenção de novos produtos era certeza de lucro e garantia do sucesso econômico de um país. Esse pensamento se mostraria correto e sustentaria a vantagem competitiva no mercado internacional de britânicos, norte-americanos e alemães até meados da segunda metade do século XX, quando, nos anos 70, os japoneses, grandes investidores em novos processos de fabricação, começaram a produzir bens e serviços mais depressa, mais barato e melhor.
Nos anos que se seguiram, o exemplo japonês foi adotado pelos chamados "Tigres Asiáticos", deflagrando uma grandiosa revolução tecnológica que veio desembocar nos anos 90, atrelada a uma gigantesca transformação geopolítica mundial, sob a forma de uma guerra econômico-comercial sem precedentes nesta era, só comparável à travada na Antigüidade, pelo domínio do Mediterrâneo, por romanos, cartagineses, fenícios e gregos.
O atual conflito mundial vem definindo outra divisão bilateral contemporânea: de um lado, estão os países com novas técnologias de produto, e do outro estão os que dominam as novas tecnologias de processo. Em meio ao feroz confronto, estão os desconsiderados e insignificantes países extrativistas –ricos em matéria-prima e mão de obra barata e desqualificada –, que estão fadados ao inevitável domínio econômico de um ou de outro grupo poderoso detentor do maior bem do seculo XXI, a tecnologia.
Não é preciso ser nenhum gênio para verificar que o Brasil perdeu o bonde da história. Mas por quê? Simples, o povo brasileiro não se caracteriza por ser prático, realista e racional, não obstante possua uma notável inteligência para a lei do mínimo esforço, ou para correr atrás de sonhos utópicos e passionais. Não é de se admirar, portanto, o descompasso do brasileiro com os acontecimentos internacionais, que o faz adotar modelos culturais alheios em detrimento do seu próprio modelo, o que o faz despersonalizado e incapacitado para constituir uma nação.
Em 1977, a política externa adotada pelo presidente dos EUA, o democrata Jimmy Carter, respaldada na defesa dos direitos humanos, condenou o Brasil à condição extrativista, boicotando a transferência de tecnologia, colocando um fim à colaboração norte-americana existente até então, e também ao milagre brasileiro. Chegaram as dificuldades econômicas acompanhâdas de um delírio político-social crescente. O processo de desenvolvimento foi interrompido, os investimentos em pesquisa, educação e treinamento de mão de obra tiveram queda drástica, ao passo que em outros países investia-se maciçamente em busca de tecnologia própria. Os brasileiros lutavam por liberdades democráticas enquanto outros sacrificavam suas liberdades em nome de seus países.
Para uma geração inteira de brasileiros, o hoje já é amanhã, um amanhã que chegou e fez do presente mísero infortúnio. E preciso que deixemos de sonhar com a prosperidade gratuita e passemos a produzi- la, pois, de tanto sonhar com distribuição de riquezas, tem-se só distribuído pobreza. E certo que ainda há tempo para a inteligência brasileira dar seus melhores frutos, é tudo uma questão de esforço e dedicação, os mesmos que são empregados para sustentar essa orgia inflacionária de ilícitos enriquecimentos, que só fazem comprometer a futura soberania do País dentro da nova ordem mundial.
Bia Botana é analista política
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