SEMENTES

Bem Vindos!

Sempre pensei que escrever é semear idéias.
Aqui vocês encontrarão as sementes que eu já plantei,
que germinaram, cresceram, deram flores e frutos.

Esse Blog é a semente dos frutos colhidos há muito tempo,
elas dormiram na escuridão por longos anos
e agora
eu estou a semeá-las novamente...,
para germinarem, crescerem, florescerem...
e um dia darem seus frutos.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

JULGAMENTO POLÍTICO




Jornal de Brasília

Quarta-feira, 22/12/1993

Julgamento político

BIA BOTANA

Todas as vezes que eu penso em leis, lembro de uma passagem interessante. Alguns anos atrás, quis o acaso que eu prestasse auxílio a um rico industrial judeu, que tivera sua Mercedes quebrada bem no portão da minha casa, em São Paulo. Era domingo de tardezinha e a rua estava deserta. Estando no jardim, eu observei a falta de sorte daquele homem, e convidei-o para entrar e dar um telefonema para pedir socorro. A casa estava uma desordem, com caixas de papelão espalhadas, porquanto faltavam poucos dias para nos mudarmos para Brasília. Ao lado do telefone, um banquinho era o único conforto que podia ser oferecido ao inesperado visitante. Enquanto aguardávamos socorro, foi inevitável a troca de idéias sobre a vida. Sentada com meu filho nos primeiros degraus da escada, eu ouvi curiosa aquele estranho contar uma história de ficçâo sobre leis que jamais esqueceria.

"Estando Menahem Begin no cargo de primeiro-ministro de Israel, ele encontrava dificuldades para governar. Veio-lhe então a idéia de enviar seu chefe de gabinete ao Monte Nebo em busca do espírito de Moisés para pedir conselhos. Assim o foi. Por ocasião do retorno, o chefe de gabinete disse a Begin que Moisés queria falar-lhe pessoalmente e que ele deveria levar todas as leis da nova nação judaica. Ao cabo de uma semana, Beguin dirigiu-se ao Monte Nebo. Mal chegando,  Moisés perguntou a ele onde estavam as leis que havia pedido. Begin disse-lhe: "Veja, Senhor", enquanto apontava para uma fileira de caminhões carregados de papéis, que subia a estrada lentamente, até perder-se na poeira do horizonte. Visivelmentc irritado, o espírito perguntou a Begin: "Diga-me, onde estão as leis que eu dei ao povo de Israel? Para que tântas leis, quando só basta obdiência aos dez mandamentos para o governo do povo? Volte com suas leis, pois as leis dos homens não são as leis de Deus." E Menahem Begin volou a Jerusalém com seus caminhões de leis, e, nada podendo fazer quanto a isso, ele pediu demissão do seu cargo".


Há sabedoria nesta história, que confirma o pensamento milenar oriental de que para cada lei cria-se também um número correspondentc de infratores. Moisés deu o Decállogo ao povo de Israel; Jesus deu aos cristãos só duas leis: "Amai a Deus acima de todas as coisas" e "Amai ao próximo como a ti mesmo", evidenciando que o cumprimento dessas conduziria à justiça.

Não foi espanto, portanto, ouvir do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro William Andrade Patterson, na sua preleção explicativa de voto durante o julgameno do recurso do ex-Presidente Fernardo Collor pelo STJ, citar o seguintc pensamento: "Deus julga o que conhece, os homens julgam o que não conhecem. A justiça de Deus dura um dia, a dos homens uma vida inteira".

Unanimemente, os três ministros do STJ escolhidos para o desempate do julgamento anterior do STF consideraram que certas questões políticas não devem ser submetidas ao Judiciário. Impróprias, devem ser julgadas pelos órgãos políticos do Estado; Legislativo e Executivo. Scgundo eles, o Judiciário deve se autolimitar às questões judiciais concernentes à interpretação das leis, não devendo julgar o mérito do julgamento praticado pelo Legislativo ou Executivo.

Abriu-se desta maneira um precedente jurídico na história judiciária brasileira: o julgamento político, independente da aplicação interpretativa das leis do Judicitírio. Portanto, se no caso Collor foi justo – por este ter cometido um crime de lesa-Pátria –, resta ver se no futuro não se abra a porta para arbitrárias perseguições políticas, por dar um poder demasiado aos julgamentos do Legislativo e do Executivo, que carecem de um aprofundamento maior no conhecimento das leis. E preciso refletir sobre isso com seriedade, para arcarmos com suas consequências, que poderão ser inesperadas.

Bia Botana é analista política e diretora geral do Cebrade (Centro Brasileiro de Desenvolvimento)

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