Jornal de Brasília
Quinta-feira, 11/8/94
Remuneração militar
BIA BOTANA
A questão da remuneração militar tem
sido motivo de toda ordem de especulação devido a sua complexidade. Sabe-se que
está errado, que há injustiça, mas não se sabe o porquê. Civis, como D. Olga de
Carvalho (que teve sua carta publicada no Jornal
de Brasília, dia 05/08/94), e militares estão perplexos com a atual
situação das Forças Armadas.
Vem sendo dado como vilão da crise
o Art. 37, inciso X, da Carta de 88, resultante da emenda proposta pelo deputado
Augusto Carvalho (PCB) – então relator da Comissão de Administração Pública –,
que determina a revisão geral da remuneração, sem distinção de índices, entre
servidores públicos civis e militares. Contudo, até o final do governo Sarney a
consulta à Carta era desnecessária. Foi só mais tarde que a Constituição foi
lembrada. O nascimento da crise da remuneração militar se deu após o Plano
Collor, mais precisamente em 1991, quando o Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa)
sob a chefia do general de Exército Veneu, encaminhou, através do Presidente da
República, ao Congresso Nacional, a Lei
de Remuneração Militar (LRM), que aprovada estabeleceu uma tabela de remuneração
determinada, incorporando vtírias gratificações ao soldo. Em outubro daquele
ano, a mídia noticiava que havia sido dado aos militares um aumento da ordem de
162%, quando o reajuste real correspondera a apenas 40%. O que parecera uma
solução satisfatória demonstrar-se-ia um embuste, que permitiu ao Governo cortar
pela metade seus gastos com recursos humanos de defesa, resultando na crise
atual.
Hoje, o almirante-de-esquadra,
Arnaldo Leite Pereira, chefe do Emfa, em conjunto com o ministro da Marinha,
almirante-de-esquadra, Ivan da Silveira Serpa, o ministro do Exército, Zenildo
Gonzaga Zoroastro de Lucena e o ministro da Aeronáutica ten. Brigadeiro-do-Ar,
Lélio Viana Lobo, se esforçam na elaboração de um substitutivo da LRM,
objetivando sanar a distorção existente. Todavia estão esbarrando no mesmo Ast.
37, que no inciso XI determina que as tabelas de remunerações dos servidorcs
civis do Poder Legislativo e do Poder Judiciário podem ser estabelecidas no
âmbito destes poderes, enquanto a tabela militar está sujeita à tabela do Poder
Executivo constante do Orçamento (Art. 165), a ser aprovada no Congresso.
Apesar do Art. 37 em seu inciso
XII determinar que as tabelas de remuneração do Legislativo e do Judiciário não
podem ser superiores à paga pelo Executivo, na prática isso não acontece. A
isonomia entre os poderes assegurada no Art. 39, §1, simplesmente não é
aplicada em razão das implicações decorrentes da política sindical dos servidores
civis do Legislativo e Judiciário. A tentativa de uma isonomia com aumentos
diferenciados aos militares, como proposto pelo ministro Ricupero - a exemplo
do praticado por Collor com o Itamaraty -, é um operação arriscada por ensejar
um possível conflito entre os poderes. Justifica-se a postura do ministro
Canhim, que mesmo tendo passado militar, defende uma reposição semelhante para
todos os servidores públicos, conforme o valor que se encontra estabelecido no
Orçamento a ser aprovado. O que será válido se obedecer os limites da tabela de
remuneração do Executivo (Art. 32, inciso XII), e resultará num processo de isonomia
gradual.
Qual seja a decisão tomada no futuro
próximo, esta será mais um paliativo para a crise da remuneração militar. A solução
definitiva é a mudança da Lei de Remuneração Militar, como
buscam os ministros militares, aliada ao desengavetamento da emenda proposta
pelo senador Pedro Simon (PMDB), durante a Revisão Constitucional, de desvinculação
dos servidores civis dos militares. Ambas medidas, sem dúvida, contarão com a
aprovação do Congresso, que atenderá os anseios da sociedade brasileira
consciente e indignada com o sofrimento das Forças Armadas e clama pelo fim
dessa vergonhosa crise.
Bia Botana é analista política